segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

“NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM”

Considerações sobre a crônica de Juliana Cunha e do artigo de Geovane Barone.

Por Rodrigo Ribeiro

Justifico esse artigo devido a minha leitura do artigo de Juliana Cunha “Capitu não presta (eu já sabia Bial)”, colega baiana e ex-companheira de militância do movimento estudantil secundarista( há alguns anos atrás) no qual tenho um profundo respeito. E também a leitura do artigo do camarada Geovane Barone “Capitu, o quadrante e a busca de uma nova linguagem para TV brasileira”, meu grande amigo e camarada que sempre tive grandes conversas acerca da cultura e arte contemporânea.
Primeiro gostaria de justificar o título, que parece meio bíblico, mas que foi de inspiração de uma frase de Onélio Cardozo, contista cubano, que diz: “O ser humano tem duas grandes fomes: a de pão e a de beleza; a primeira é saciável, a segunda infindável.”
Gostaria de colocar que discordo da visão de Juliana Cunha sobre a minissérie e compactuo com o artigo de Geovane Barone (mas acho que vai além da discussão sobre a “estética”) e de uma forma modesta venho aqui colocar as minhas análises sobre a minissérie e mais do que isso, transportar essa análise sobre a cultura pós-moderna nas artes.Sem é claro, colocar a “pós-modernidade” enquanto concepção ideológica ou como termo depreciativo, mas como o desmembramento da modernidade enquanto flexibilização e compressão do espaço-tempo das relações em diversos segmentos da sociedade contemporânea, o destaque aqui vai para a arte.
A lógica da frase “nem só de pão vive o homem” poderia ser a mesma de “nem só do tradicional vivem as artes” ou então, “nem só da ortodoxia vive a teoria”. Há uma peça de teatro, apresentada na Hungria ainda durante o período socialista, que narra à história de um casal que briga muito. De repente, o marido rompe o diálogo com a esposa e diz que não agüenta mais, porque tem muito trabalho no partido, no Estado. A mulher, então, vai à praça da cidade e começa a dialogar com a estátua de Marx; e fica muito brava, porque Marx não apresenta respostas para ela. É como se ela dissesse: “Não encontrei no marxismo determinadas respostas para questões minhas muito sérias”. São as questões de relações de gênero, sexualidade, religiosidade, cultura, artes, entre outras.
Os relatos das produções pós-modernas tomam duas formas, identificadas, respectivamente, com as hipóteses “transgressiva” e “incorporativa”. A primeira forma visa identificar e promover possibilidades progressistas nos textos, nas peças e na dramaturgia. Essa abordagem é demonstrada por John Wyver em seu artigo “Television and Postmodernism”.
A ascendência inquestionável da imagem sobre a palavra é desafiada quando imagens e argumentos são usados uns contra os outros para abrir questões. As “colagens” altamente estruturadas centradas em torno de um tema ou objeto, cuja mistura de formas e estratégias é considerada por Wyver uma resistência a forma dominante, no qual o acolhimento de mundos de fantasia não-realistas equivale a “uma plena libertação do significante”. >>>>>>
O que caracteriza uma produção pós-moderna é a sua recusa em assumir uma posição clara diante de suas imagens, seu hábito de margear a linha da não-comunicação de um significado claro. Nos vídeos pós-modernos, ao contrário de em outros tipos específicos, cada elemento de um texto é penetrada pelo pastiche; a significação, por imagens que não se alinham numa cadeia coerente; o texto é achatado, criando-se com isso um efeito bidimensional e a recusa de uma posição clara para o espectador no âmbito do mundo fílmico.
A consideração mais ampla das alegações radicais das produções pós-modernas é sem dúvida a de Fredric Jameson. Para Jameson, a TV representa, na sua forma, desafios, não somente à hegemonia dos modelos estéticos modernistas como também ao domínio contemporâneo da linguagem e dos instrumentos conceituais associados com as ciências lingüísticas e semióticas. No centro do argumento de Jameson, está a insistência na assimilação absoluta do sujeito espectador à estrutura mecânica do meio da produção. Com isso ele quer dizer que, enquanto outros meios representacionais como os romances ou os filmes estão comprometidos a produzir os efeitos do “tempo real”, embora na verdade, o distorçam (ao condensarem, recombinarem, estenderem, variarem o foco etc.), a produção, ou ao menos, a produção de vanguarda não-narrativa, aprisiona o espectador no tempo da série, o que no final não é senão o “tempo real” da própria produção. Na explicação de Jameson, a produção de vanguarda é considerada a forma essencial do vídeo, sendo a televisão comercial, que imita claramente o filme nos efeitos narrativos. Ele se espanta, portanto, não com o fato de a TV comercial imitar outros meios visuais temporais, mas com a maneira de como essa TV consegue produzir a impressão de tempo fictício a partir do que ele acredita ser “as linguagens rigorosamente não-fictícias do vídeo” (Postmodernism and the Video-Text”). Mas na verdade não há razão para supor que as práticas particulares ou estruturas representacionais características de (algumas formas de) videoarte experimental sejam mais intrínsecas ao meio que do que as práticas ou estruturas que a produção partilha com o filme ou mesmo com os romances.
A partir desse esboço mais sociológico faço a seguinte colocação: gostei da minissérie (Capitu), pois representa algo novo na dramaturgia.
No começo do ano (2008), assisti uma peça no teatro do “OI FUTURO”(perto do terreno da UNE) chamada "What´s Wrong with the World?" da série Play on Earth. A mesma, era uma peça que passava ao mesmo tempo no Rio e em Londres, a peça era ligada pela internet e por câmeras que iam além do palco italiano tradicional do teatro, mostrava pelo audiovisual o que a platéia não poderia ver no palco propriamente dito, logo é uma mistura de atribuições do teatro com um filme ( mal comparando é claro), mas se formos na parte clássica não poderemos defini-la como um teatro propriamente dito.
Num sentido diferente, mas com o mesmo viés de concepção de linguagem e estrutura dramática, foi a minissérie Capitu. É claro, ela não foi feita para um público de teatro, mas para a TV. Entretanto, ela teve um contato direto com o público desde a sua divulgação ( a partir dos DVD´s que eram deixados em diversos lugares diferentes, no qual a pessoa achava e se sentia parte da representação do programa, como se fosse um chamado. Linguagem inovadora de Marketing. As pessoas não iriam ligar a TV e receber uma nova programação no meio da cara, mas uma preparação desde o seu primeiro contato na rua até a sua ida para a casa ligar a TV. E mais, podendo colocar a sua opinião num blog, falando diretamente com a produção do programa, inclusive o blog está funcionando até hoje! Isso é ou não é ter contato direto com o público? Independente de ser teatro ou audiovisual).
Há uma tendência no mercado flexível e isso transporta muito facilmente para as artes, que é o consumidor "moldar" o seu próprio produto e não recebê-lo de forma de "estoque" como antigamente. Um exemplo disso é o novo “BBB”, será colocada uma bolha de vidro no Rio e/ou em São Paulo, onde diversos candidatos estarão presos durante uma semana no meio da rua para as pessoas passarem e escolherem quem serão eliminados e quem poderá entrar na casa. Parece que não, mas essa estratégia é incrivelmente brilhante (ainda mais para um programa chulo que nem esse), na medida em que diminui a compressão do espaço e do tempo com o telespectador, agora o mesmo (telespectador) faz parte e tem um contato direto com o programa de TV. Das meras ligações telefônicas foi transpassado a cena para a rua, para a rotina e o cotidiano das pessoas, você agora não tem mais o contato com a TV só quando a liga em casa, mas também na sua vida contemporânea, quando você mal espera da de cara com ela no meio da rua, pode ser num mero achado de um DVD ou então com uma bolha de vidro com os participantes do BBB na esquina do seu trabalho.
Voltando somente para a Capitu, acho que desde a forma de divulgação até o final da minissérie foi algo inovador. Quando a pessoa achava o DVD, eu acho que o que os produtores queriam que fossem identificados era a forma do teatro inserido na TV, mas somado com uma estrutura musical extremamente contemporânea, adaptando assim, um livro clássico de Machado de Assis (Dom Casmurro) que possui uma linguagem não contemporânea, mas o que importa não é passar a estrutura da narrativa machadiana, mas sim, as suas idéias.
Não é a toa que foi uma minissérie de 5 capítulos, onde “Dom Casmurro” poderia render uma novela. Mas a idéia era essa mesma: ser rápida, adaptável, emotiva e lançar as principais idéias do livro. Se fosse uma novela ou uma minissérie maior do que isso, talvez não desse tanta audiência, pois seria cansativa.
Sobre a estrutura estética e de linguagem:
1- O uso de letreiros para identificar as principais idéias da obra.
2- A estrutura musical contemporânea.
3- O bento já velho contando a própria narrativa, ou seja, uma conversa informal com o telespectador, a partir do seu olhar direto para a câmera e a sua passagem pelas cenas, representando as suas memórias.
4- A representação simbólica das cenas:
· O trem no começo da minissérie e no fechamento. É claro que não existia trem na época, existia bonde. Mas o trem mostra a onde foi passada grande parte da estória, no subúrbio, afinal a casa de bento (se eu não me engano, já faz muito tempo que li o livro) era no Engenho Novo. E hoje a maior representação do subúrbio é o trem. Esta aí mais uma transposição de uma narrativa clássica para a contemporaneidade.
· O uso das cortinas (o fechamento e abertura) para os novos tópicos que entravam na minissérie, representando a saída e a entrada de uma nova parte do livro.
· O "apagar das luzes" como desfecho de alguma cena.
· A introdução de imagens da época e imagens gravadas fora do palco. A necessidade de quebrar com a longa linguagem do teatro e tirar um pouco a visibilidade do palco enquanto transposição das cenas. Afinal estamos num viés pós-moderno, a narrativa numa única estrutura de linguagem seria cansativo para o público.
· A mistura de representação subjetiva e objetiva. Uma das cenas mais marcantes da minissérie foi a morte de Escobar. O ator representa o seu afogamento no palco do teatro, no qual a água é representada por um plástico azul, mas ao mesmo tempo foi introduzido cenas de água real, ondas no quebra mar, batendo na pedra e etc. Mas os principais desfechos teriam que ser feito na maneira clássica, ou seja, no palco.
5- O final Também foi marcante, com o Bento já velho, fazendo um desfecho no qual já tinha morrido Capitu na Europa e depois seu filho com a volta do mesmo para o Brasil. Bento termina olhando para a câmera (conversa direta com o público) e diz "não tenha ciúmes da sua mulher", logo depois, começa a tocar as músicas e mostrar cenas já passadas como lembranças e finaliza com uma cena contemporânea que é o trem indo embora.
Seguindo as linhas do pensamento de Jameson, ele sugere que a teoria da TV deve aprender a acomodar-se de algum modo à intensa variabilidade da mídia eletrônica contemporânea e às maneiras, e até lugares, em que é vivida. Essa variabilidade parece frustrar toda tentativa crítica de falar normativamente sobre qualquer “texto” da TV ou sobre seu espectador postulado.
O texto é localizado, não só intertextualmente como numa gama de aparatos, definidos tecnologicamente, mas também por outras relações e atividades sociais. É raro que a pessoa apenas ouça o rádio, assista à TV ou vá ao cinema – ela está estudando, tendo um encontro, indo de carro a algum lugar, participando de uma festa etc. Não apenas o “mesmo” texto é diferente em contextos distintos, como também seus múltiplos modos de apresentação estão numa complexa relação interativa.
Portanto, discordo profundamente da crônica de Juliana Cunha e para a mesma digo que “nem só de pão vive o homem” assim como “nem só de clássicos vive a literatura” e “nem só do tradicional vive a dramaturgia”. Acho que essa resistência sobre a minissérie Capitu é equivocada e a mesma (resistência) é devida uma lógica ortodoxa que está incrustada na subjetividade “revolucionária” há muito tempo desde os nossos “antepassados” e que é preciso ser rompida. Tenho a ligeira impressão que talvez se a minissérie tivesse sido passada pela TV Brasil e não pela Rede Globo, provavelmente a resistência não seria tanta, até porque não teria “Pedro Bial” para criticar, mesmo com esse sujeito não ter influenciado em nada na produção da minissérie. Parabenizo aqui o artigo do Geovane Barone, no qual consiste numa análise concisa e extremamente evoluída, demonstrando que nem tudo que é novo e adaptável representa uma depreciação dos nossos valores sobre arte, cultura e sociedade. Queria deixar claro que não sou especialista em arte, literatura ou dramaturgia e que o artigo expressa visões pessoais de um mero espectador das produções contemporâneas e de um estudante que tem gosto pelo objeto de análise da sociedade pós-moderna.

Rodrigo Ribeiro – estudante de Ciências Sociais da UFF

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