domingo, 21 de dezembro de 2008

Juventude e Trabalho: continuidades, desafios e rupturas.

Esse artigo é fruto das reflexões desenvolvidas no estágio docente do curso de Prática de Ensino da Faculdade de Educação da UFRJ, onde, observo 3 turmas[1] do terceiro ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Souza Aguiar[2] e, de um levantamento sobre o papel da juventude no processo do trabalho. Para essa segunda questão considero a centralidade do elemento trabalho como categoria no imaginário juvenil[3], e os desafios colocados hoje tanto para os jovens quanto para a sociedade brasileira como um todo, no sentido de promoção e implementação de Políticas Públicas para a Juventude (PPJ), considerando centralmente a esfera do primeiro emprego.
Existem ainda muitas divergências em relação a que faixa etária compreende o jovem no Brasil. Segundo o Conselho Nacional de Juventude, referência a qual desenvolvo esse artigo, jovens são os cidadãos e cidadãs entre os 15 e os 29 anos, divididos em diferentes faixas: adolescentes-jovens (entre 15 e 17 anos), os jovens-jovens (entre 18 e 24 anos) e os jovens-adultos (entre 25 e 29 anos). Esse grupo compreende cerca de 50, 5 milhões de pessoas, ou seja, 40% da população brasileira.

A Juventude e o Trabalho no Brasil

No Brasil a questão também não se deu de forma diferente. Por mais que nosso processo de industrialização só tenha tido força substantiva a partir do Governo Vargas, já no final do século XIX, o trabalho do menor era explorado tanto no campo quanto na fábrica. O questionamento aqui, principalmente por parte dos trabalhadores imigrantes e de perfil anarquista, também refletiu na primeira vitória legal dos trabalhadores: a aprovação em 1891 da primeira lei trabalhista do país, referente à regulamentação do trabalho do menor e, posteriormente o Código de Trabalho do Menor em 1927 (MORAES FILHO, 1978). No entanto, o principal problema colocado e possível de ser visualizado hoje era que a categoria “juventude” não estava clara o bastante no cenário nacional onde, na maioria das vezes, as leis abrangiam essa parcela da sociedade de forma insuficiente. Só a partir de 1990, quando se aprova Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, essa categorização passa a ser melhor definida, mas, ainda assim, de forma insuficiente. O ECA considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade, visando legislar e garantir proteção a essa parcela. Esse importante instrumento assegura que “é proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” e que “ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”.
A iniciativa foi fundamental, porém, os jovens de 18 à 29 (categorias jovem-jovem e jovem-adulto) continuavam à margem da classificação e, por isso, das políticas governamentais específicas. No entanto é importante verificar que a preocupação com o trabalho sempre pareceu presente, desde o início de nosso processo de industrialização e que, como destacam os jovens brasileiros, estreitamente ligados à idéia de cidadania.
Esses elementos mostram também que, desde o início de nossa formação industrial, o jovem sofria com as piores condições de trabalho e os piores salários, tendo ainda que aliar essa demanda tanto objetiva, por conta da necessidade do salário, quanto subjetiva, pela pressão social, à qualificação educacional. Em relação a esse aspecto vale à pena situar o debate travado entre os principais especialistas da área de juventude na atualidade: retardar a entrada no mercado de trabalho, para elevar a taxa de escolaridade ou; facilitar o ingresso do jovem no mercado, através de ofertas de curso de formação profissional e estímulos ao primeiro emprego. A questão fundamental que é reflexo desse impasse está relacionada a inexistência, até os tempos atuais, de uma legislação específica para o trabalho juvenil, que dê conta de uma questão já definida pelos próprios jovens como fundamental.

A importância do trabalho para o jovem brasileiro

Alguns dados merecem destaque quando tratamos da relevância dessa categoria trabalho para a juventude em um cenário de questionamento, por parte do “senso comum”, da responsabilidade juvenil com o “seu futuro”. Percebe-se uma espécie de consenso que destaca a irresponsabilidade e a incapacidade do jovem dessa geração atual (que desfruta de um cenário de democracia, burguesa, interrupta), devido ao estímulo de elementos informativos diversos que têm sido massificados como o audio-visual e a internet, em detrimento da “leitura tradicional”, da pesquisa em enciclopédias e da busca por bibliotecas. Toda essa mudança de perfil parece identificar que o jovem atual tem menos responsabilidade e pensa menos em seu futuro à longo prazo. Essa conclusão, no entanto, pode ser questionada se considerarmos que a sociedade não é um elemento estático e anti-dialético, mas passível de constantes transformações e mais ainda, que para a juventude brasileira o trabalho se encontra estreitamente relacionado à perspectiva cidadã. A idéia de que é principalmente através do trabalho que se dá a forma mais concreta de assegurar um lugar na sociedade está especificada na pesquisa Perfil da Juventude Brasileira (2003) onde esse elemento é visto como principal direito necessário e o mais importante da cidadania.

A realidade atual

Em contra partida, as perspectivas de emprego para a juventude não são as melhores. Quase a metade dos desempregados do país são jovens onde o desemprego juvenil é três vezes maior do que o conjunto da população (POCHMANN, 2000). O principal problema destacado é a dificuldade do Primeiro Emprego já que a barreira central colocada é a necessidade de “experiência de trabalho”. Os estágios aparecem então como alternativa, porém as condições as quais os jovens são submetidos são péssimas. Muitas vezes a idéia de “estágio” vem mais como arcabouço legal justificável para que se pague menos e explore mais o trabalho do jovem. Segundo PNAD de 2006, em média, os trabalhadores jovens ganham menos da metade do que ganham os adultos e 63% não tem carteira profissional assinada (Instituto Cidadania, 2003).
Algumas iniciativas no âmbito executivo tem sido feitas com propósitos diversos. Dentre esses se destaca o programa Bolsa-Trabalho, da prefeitura de São Paulo na gestão 2001-2004 e o Jovem Empreendedor, do Ministério do Trabalho e Emprego aliado ao SEBRAE (Serviço de Apoio às pequenas e médias empresas). O primeiro tem como objetivo fundamental elevar a escolaridade do jovem e postergar seu ingresso no mercado de trabalho. O segundo está inserido no Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego e oferece apoio a empreendimentos juvenis por meio de financiamentos para jovens individualmente, micros e pequenas empresas. À grosso modo, é possível considerar que os projetos divergem na sua essência já que o primeiro valoriza a permanência na escola e o segundo o empreendedorismo juvenil, a inserção direta no mercado de trabalho. No entanto precisamos encarar a realidade de acordo com a diversidade colocada no cenário nacional onde as realidades não são homogenias, principalmente, se considerarmos a diferença entre as classes-sociais.
Segundo Márcio Pochmann (2005), idealizador do projeto Bolsa-Trabalho de São Paulo, em países desenvolvidos, os jovens demoram muito mais para se inserirem no mercado. Na Alemanha, por exemplo, de cada 10 jovens de 15 a 24 anos de idade apenas um está no mercado e nove estão estudando. Já no Brasil, de cada 10 jovens desta mesma faixa etária, de 6 a 7 estão trabalhando. Esses jovens que entram mais cedo no mercado estão despreparados e são hegemonicamente os filhos das classes populares. A média de entrada no mercado dos filhos das classes mais abastadas é de 25 anos, ou seja, com esses jovens já tendo concluído o Ensino Superior (POCHMANN, 2008). Percebemos então um forte “corte de classe” quando vamos tratar das políticas públicas no Brasil. Para os mais pobres o grau de dificuldade aumenta substancialmente tanto em relação ao acesso ao mercado quanto à permanência na escola. Para esses, as políticas ainda pouco abrangentes de retardamento da entrada no mercado que, normalmente, garantem no máximo a remuneração de meio salário mínimo, não são suficientes para o complemento da renda familiar. Além disso, os jovens já definiram o trabalho como direito central de sua vida.

Considerações Finais

É possível concluir que nesse cenário de divergências conceituais e metodológicas no âmbito das políticas públicas, tanto governo quanto sociedade não acompanharam o crescimento dessa principal parcela demográfica brasileira da atualidade. Avalia-se que esse grupo nunca foi tão numeroso no Brasil e, desde que as tendências demográficas sejam mantidas, também nunca mais serão. A oferta de bens e serviços para o jovem, o entendimento dessa categoria e o impasse em relação às políticas públicas são os principais desafios colocados.
Não podemos fechar os olhos para a realidade que está posta: o jovem mais pobre é o que mais sofre em relação ao acesso ao mercado de trabalho e a permanência na escola. O governo, por mais que desenvolva reflexões e políticas de extrema importância, com destaque especial para a realização da 1 Conferência Nacional de Juventude, está ainda muito longe de dar conta desses problemas que ainda marcam a estrutura de nossa sociedade. Sem dúvida nenhuma é necessário trabalhar para romper com essa realidade degradante para a juventude mais pobre de nosso país, no entanto, o governo precisa se responsabilizar por esses jovens que já se encontram no sub-emprego, ou em busca do primeiro emprego que, contraditoriamente, obriga a “necessita de experiência anterior”. Nesse sentido, apenas postergar a entrada do jovem no mercado de trabalho não é a saída da questão a qual estamos inseridos. É preciso interferir na política de estágios desenvolvida, redimensionar a oferta de empregos e garantir um Brasil cada vez mais justo, para todas as parcelas da juventude.

Pensando na realidade carioca, o projeto que considere a questão do trabalho para a juventude deve também ser refletido considerando ambas as políticas públicas. É preciso desenvolver um projeto que tanto postergue a entrada do jovem no mercado de trabalho quanto crie mecanismos para ajudar a inserção do jovem nesse mercado. Devemos preparar melhor principalmente os jovens de baixa renda, que são os que entram no mercado mais cedo, como também não fechar os olhos para a realidade colocada na relação juventude-trabalho. Sendo essa, atualmente, uma das principais categorias colocadas no imaginário juvenil.

A situação da economia do estado do Rio de Janeiro, de acordo com os novos dados nacionais do IBGE baseados em uma reformulação da metodologia de pesquisas, voltou a ser a mesma de 1995: continuamos a segunda maior economia do país, só superada pela de São Paulo, mas estamos estagnados com a participação de 11,5% no PIB nacional. A recuperação que havia sido anunciada pela antiga metodologia, com um crescimento de cerca de 1% na renda nacional, não se confirmou nos dados de 2000 a 2005 revelados agora. Segundo o economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), é importante lembrar que esses novos dados vão até 2005. "Há uma quantidade considerável de evidências empíricas de que a situação no Rio de Janeiro, particularmente na região metropolitana, deu uma melhorada bastante importante a partir de 2005".

No que se refere à situação do emprego formal e informal para a população jovem entre 18 e 24 anos, verifica-se que a região metropolitana do Rio apresenta, em outubro de 2007, taxa de desemprego de 16,3%. Apesar de essa taxa não ser, na média, maior do que as existentes para as Regiões Metropolitanas de São Paulo, de 19,6%; Belo Horizonte, de 12,9%; Porto Alegre, de 12,8%; Salvador, de 26,1%; e Recife, de 27,2%, ela é extremamente elevada, ressalta Osório. Mas Mauro Osório vê também sinais de avanços na economia: "Em período recente, alguns indicadores começam a apontar a possibilidade de reversão dessa longa trajetória de crise". Ele cita a construção civil que, de 2005 para 2006, apresenta um crescimento do emprego em torno de 27,1%, contra um crescimento no Brasil próximo de 11,9%, em decorrência do crescimento dos investimentos imobiliários na cidade do Rio de Janeiro e dos gastos realizados para a realização do Pan-americano em 2007.Além disso, lembra Mauro Osório, aponta-se para o futuro próximo uma série de investimentos sociais em comunidades carentes, na cidade do Rio de Janeiro e na sua periferia, e a realização de uma série de macroprojetos como os do pólo petroquímico em Itaboraí/São Gonçalo, o do Arco-Rodoviário no Porto de Sepetiba, e o da empresa MMX de um complexo logístico e industrial na região de São João da Barra. São boas notícias que podem confirmar as evidências de que fala André Urani, do Iets, de um forte crescimento do estado a partir de 2005.

[1] As turmas referidas são: 3001, 3003 e 3004.
[2] Escola de tradição da cidade do Rio de Janeiro e que, nesse ano, completa seu primeiro centenário.
[3] Pesquisa Perfil da Juventude Brasileira realizada em 2003, Instituto Cidadania.
Referência bibliográfica:



ANTUNES, Ricardo. O que é sindicalismo. São Paulo, 1980

ABRAMOVAY, Miriam e CASTRO, Mary. Juventude, juventudes: o que une e o que separa. Brasília: UNESCO, 2006.

DOCUMENTO BASE 1 CONFERÊNCIA NACIONAL DE JUVENTUDE: Levante sua bandeira, 2008

GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 1994.

MARX, Karl. O Capital. Vol. 1/1. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1971

MORAES FILHO, Evaristo. O Problema do Sindicato Único no Brasil – seus fundamentos sociológicos. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega, 1978

NOVAES, Regina. O Projovem no cenário da Política Nacional de Juventude. Relatório de Atividades: 2006.Brasília: Secretaria Nacional de Juventude 2007

PESQUISA Perfil da Juventude Brasileira. Instituto Cidadania 2003

POCHMANN, Márcio (Org.). Desenvolvimento, trabalho e solidariedade: novos
caminhos para a inclusão social. São Paulo: Cortez/Fundação Perseu Abramo, 2002.

____________________. A Batalha do Primeiro Emprego: as perspectivas e a situação do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Brasil 2002

____________________. Entrevista [www.mundojovem.com.br/entrevista-05-2005.php], 2005

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